31.1.07
Peguei-me relendo anotações que fiz quando li o “Auto-de-fé”, do Elias Canetti. E, na mesma página, grifei dois trechos: “Detestava-a, porque ela jamais cessava de amá-lo” e “ (...) Um homem como você (que se finge de cego) tem de agüentar que a gente o engane desse jeito.(... ) Vem um sujeito e lhe atira um botão, mas tem de dizer ‘obrigado’. Se não disser ‘obrigado’, adeus cegueira e adeus freguesia.(...) Enganar assim uma pessoa é uma sujeira.” O primeiro trecho não necessita de explicação. Já o segundo, é impagável, pois, afinal, quem é o pior: o que se finge de cego ou aquele que, ao doar, substitui uma moeda por um botão?
30.1.07
Mais uma vez, a música.
Professor J.M.Charcot
Jean-Martin Charcot (1825-1893), filho de um remediado construtor de carruagens parisiense, é considerado o pai da neurologia moderna, o primeiro professor dessa disciplina. Por sua personalidade extremamente rígida e severa, recebeu a alcunha de "cabeça de Napoleão". Suas contribuições para a medicina e para a neurologia se fazem sentir até os dias de hoje. Por sua determinação, enquanto dirigiu o famoso hospital francês "La Salpetrière", nehuma vivissecção foi realizada. Seu respeito pelos animais era tão grande que nosso Imperador D. Pedro II, amigo pessoal do austero professor, presenteou-lhe com um macaco-sagüi. O atestado de óbito do erudito D.Pedro II foi assinado também por Charcot. Entre outras excentricidades, às terças-feiras, em sua casa, reunia alguns poucos amigos para a audição de Beethoven. Todos os participantes do "sarau" conheciam a rígida regra da noite, que dizia que era terminantemente proibido falar sobre medicina. Mas tudo isso para citar uma breve passagem da conversa entre Barenboim (um grande intérprete e conhecedor de Beethoven, em especial) e Edward Said, em que este diz: "(...) num sentido profundo, a música talvez seja a resistência final à aculturação e à mercantilização de tudo". E viva la résistance !
29.1.07
O tédio de Yves Montand.
Li com interesse a entrevista de ontem do caderno "Mais!" da Folha de São Paulo. Apesar da tentativa do jornalista em vender a idéia de que a nova empreitada do filósofo norueguês Lars Svendsen é mais um alaindebottonzinho, fiquei curioso e com vontade de ler o livro " Filosofia do Tédio". Uma breve passagem da entrevista: "O tédio pode ser visto como uma voz da consciência, que diz que sua vida não é nada, que sua carência de sentido precisa ser suprida. A conclusão é que o tédio pode ser uma fonte de auto-conhecimento". Entre outras coisas, lembrei-me de uma das últimas entrevistas de Yves Montand para a televisão francesa, quando respondeu que o grande desafio da vida era arrumar um sentido para uma existência sem sentido.
28.1.07
Um soco, seco.
Acabo de chegar do cinema. O filme: Babel. Vale a pena cada minuto. Adriana Barraza, como a babá Amélia, está estupenda. A cena que se passa no México durante o casamento do filho de Amélia permanecerá em minha memória por muito tempo. A música ainda martela suavemente em minha cabeça ( “Tú me acostumbraste/ A todas esas cosas / Y tú me enseñaste/ Que son maravilhosas...”). Mas, em resumo, já que não sou adepto de “posts” muito longos, posso dizer que o filme é como um soco, seco, na boca do estômago, quando menos se espera. Por eso me pregunto /Al ver que me olvidaste/ Por qué no me enseñaste/ Cómo se vive... Sin ti?
Tom, 80 anos.
Durante minhas primeiras aulas de saxofone alto, comecei a tocar os "standards" da canção americana, que tinham povoado boa parte de minha memória musical da tenra juventude. Assim, iniciei por "My Funny Valentine", "Misty", "Strangers in the night" e "S'Wonderful"; de Lorenz Hart e Richard Rodgers a Cole Porter. Até que, por fim, pedi para tocar "Luiza", de Tom Jobim. A leitura inicial da partitura, antes de tocar as primeiras notas, na fase pré-embocadura, fez com que eu achasse que não teria muita dificuldade. Ledo engano. Tropeçei em seus sustenidos e bemóis, na valsa que pulava de "mi" da primeira escala, grave, para um "mi" bemol agudo (para quem conhece a música): " (...) Escuta agora a canção que eu fiz /Pra te esquecer LUIZA". Diante da minha surpresa provocada pela dificuldade da música, meu professor disse: "É, isso é Tom Jobim"...
27.1.07
La chose la plus difficile...
André Gide et Jean Paul Sartre, Cabris 1950.
"A coisa mais difícil, quando se começa a escrever, é ser sincero. Será preciso sacudir a idéia e definir o que é a sinceridade artística. Eu acho isto, provisoriamente: que a palavra jamais precede a idéia. Ou melhor: que a palavra seja sempre uma necessidade para ela; é preciso que ela seja irrestível, insuprimível, e o mesmo vale para a frase, para a obra inteira. E para a vida inteira do artista, é preciso que sua vocação seja irrestitível, que ele não possa não escrever." (Gide, citado por Ernesto Sabato em "O Escritor e seus fantasmas", Cia. das Letras, pg. 96).
26.1.07
O conde e a insônia
O conde Hermann Karl von Keyserling sofria de insônia. Assim, por volta de 1741, procura o grande Johann Sebastian BACH e pede a ele que componha algo que o faça dormir. Bach escreve uma ária seguida por trinta variações, que são executadas de maneira irretocável pelo jovem e talentoso cravista do conde von Keyserling, Johann Gottlieb Goldberg. A ária e suas variações, em homenagem ao estupendo cravista, passam a ser conhecidas como "as variações Goldberg". Em toda a história da música, desde então, ninguém foi capaz de superar o brilhantismo do pianista canadense Glenn Gould ao tocar as variações Goldberg. Ao escutá-las, nos últimos dias, tive de concordar com Schopenhauer: " A música é como um banho para o espírito; purifica de toda a mancha, de tudo que é mesquinho e mau; eleva e nos põe em relevo com os maiores pensamentos, fazendo-nos compreender o que valemos, isto é, O QUANTO PODERÍAMOS VALER". E viva a insônia do conde!
25.1.07
E Murilo esqueceu-se de Velasquez...
No Museu do Prado, enquanto permanecia atônito e inebriado de admiração diante de Las Meninas, lembrei-me de nosso Murilo Mendes. Desejei que ele houvesse escrito as suas impressões da obra, assim como fez com as obras de Vermeer.
Vermeer de delft
Tempo de decifrar o mapa
Com seus amarelos e azuis,
De abrir as cortinas - o sol frio nasce
Nos ladrilhos silenciosos -,
De ler uma carta perturbadora
Que veio pela galera da China:
Até que a lição do cravo
Através dos seus cristais
Restitui a inocência.
(Murilo Mendes, 1947).
Bom feriado a todos!
24.1.07
Genialidade e loucura
Existe uma tênue diferença entre genialidade e loucura, embora sempre prevaleça a figura estereotipada do "gênio-louco". Ricardo Piglia cita o encontro de C.G.Jung e James Joyce, que foi procurar o famoso psiquiatra suiço para lhe expor o dilema de sua filha esquizofrênica, Lucia Joyce. " 'Aqui estão os textos que ela escreve, e o que ela escreve é o mesmo que eu escrevo', porque ele estava escrevendo o Finnegans Wake, um texto totalmente psicótico, se o olharmos dessa perspectiva: inteiramente fragmentado, onírico(...). Assim, Joyce disse a Jung que sua filha escrevia a mesma coisa que ele, e Jung lhe respondeu: 'Mas onde você nada, ela se afoga'. É a melhor definição que conheço da distinção entre um artista e... outra coisa, que não vou chamar de outro modo que não esse". Excelente definição.
23.1.07
Sampa
Acabo de cruzar a avenida Paulista no sentido Consolação-Paraíso. Notei como a avenida está mais limpa sem a enxurrada de anúncios gigantes, painéis eletrônicos e "outdoors". É certo que ainda existem alguns, mas espero que não seja por muito tempo. Pensei no "post" para assinalar a rara vitória do interesse público sobre o interesse privado em bandas tupiniquins, em que cada vez mais se torna impiedosa e agressiva a " força da grana que ergue e destrói coisas belas". Será que São Paulo ainda tem jeito?
Dona Hilda
Tive a oportunidade de visitar Hilda Hilst pouco dias antes de sua morte. Estava prostrada, bastante abatida e, em meio ao alvoroço daquele hospital, jazia anônima. Peguei-me lendo alguns de seus poemas e, daí, a lembrança daquele dia brotou. Mas essa história é para outro "post". Deixo aqui um de seus mais belos poemas.
"Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento."
(Dez chamamentos ao amigo)
22.1.07
Arte e ciência
Depois de algumas horas de atraso, mais exatamente dezessete horas, provocado pelas chuvas e aberturas intermitentes da pista principal de Congonhas, consegui chegar. Enquanto esperava o embarque, acabei por ler que o médico austríaco Christian Albert Theodor BILLROTH (1829-1894), que é considerado o pai da moderna cirurgia abdominal, era muito próximo de Johannes Brahms . A amizade entre os dois era tão grande, que o Concerto para Piano número 2 só foi executado publicamente após a aprovação de Billroth. Mais uma vez, um exemplo da interface ciência e arte, ao mesmo tempo tão rara e tão necessária nos dias de hoje. Para quem não conhece, vale a pena aproveitar a dica e escutar o Concerto. Se possível, com Arthur Rubinstein ao piano e a Filarmônica de Israel sob regência de Zubin Mehta. Atente para o terceiro movimento, Andante. Boa audição!
17.1.07
Nietzsche e o aprendizado do amor
Caros amigos, não estarei em São Paulo até domingo, dia 21, e terei grande dificuldade em acessar a rede. Assim, escrevo o último "post" até lá. Escolhi um aforismo de Friedrich Nietzsche, da Gaia Ciência, que julgo bastante interessante. Chama-se "É preciso aprender a amar": " Eis o que nos acontece em música: é preciso aprender a ouvir em geral, um tema, um motivo, é preciso percebê-lo, distingui-lo, isolá-lo e limitá-lo em uma vida própria; pois é preciso um esforço e boa vontade para suportá-lo, malgrado a sua estranheza, para ter paciência com seu aspecto e sua expressão, caridade pela sua estranheza; chega enfim o momento em que nos acostumamos com ele, quando esperamos, pressentimos que nos faria falta se não existisse(...). Mas isso não acontece apenas com a música; é da mesma forma que aprendemos a amar as coisas que amamos(...)". Acredito, pessoalmente, que o tal "amor de mãe", incondicional, não deva sempre ter sido assim, desde a concepção do filho. Durante a gestação, há um "ser" estranho em seu ventre, que pode ser birrento, acordá-la às 3h00, não gostar de ler, preferir Orlando a Veneza e etc. Mas com o passar do tempo, "pressentimos que nos faria falta se não existisse"...
Cogito ergo sum?
Desde tempos imemoriais discute-se o que é vida e, mais ainda, quando a vida começa. Em pleno século XXI, ainda não temos respostas consensuais para tais perguntas. Para se ter uma idéia da complexidade que o tema carrega, vale a pena ler a entrevista do último domingo, dia 14 de janeiro, que o Procurador da República do Ministério Público Federal, Daniel Sarmento, deu para o caderno “Aliás”, do “Estadão. Entre outras coisas, ele cita que a legislação alemã usa a nidação (momento em que o recém-formado embrião fixa-se à parede do útero) como marco que estabelece o início da vida; os tão conservadores norte-americanos, por paradoxal que possa parecer, consideram o início da vida no momento em que o feto possa ser capaz de sobreviver fora do útero, ou seja, em torno do quinto para o sexto mês de gestação. A legislação brasileira “só atribui personalidade após o nascimento”, segundo Sarmento. Para o neuropsicólogo Michael Gazzaniga, a vida só pode ser estabelecida a partir do momento em que o córtex cerebral esteja desenvolvido, mas parece que sua opinião está longe de ser aceita por boa parte das agências fomentadoras de pesquisa, conforme escreveu o físico Marcelo Gleiser para o caderno “Mais” da Folha de São Paulo também no último domingo. E você, o que pensa a respeito?
16.1.07
" I can't imagine"
O hipocampo é uma estrutura anatômica cerebral que tem por função a memória. Indivíduos portadores de doença de Alzheimer, por exemplo, apresentam grave acometimento do hipocampo. Assim, eles perdem a capacidade de memorizar novos fatos e, com o passar do tempo, de se lembrar de fatos do passado remoto; esquecem-se dos amigos da infância, do nome da professora do colégio e até do primeiro beijo. Pesquisadores da University College London descobriram que o hipocampo também desempenha um papel importante na capacidade de imaginar cenas. Pediram a indivíduos normais para imaginar uma cena na praia e descrevê-la em todos os seus detalhes- luminosidade do dia, cor da água do mar, temperatura, entre outros- e não houve problemas. Já indivíduos com lesão do hipocampo foram incapazes de imaginar a mesma cena de maneira integrada, descrevendo apenas superficialmente cada elemento de forma isolada. Tais dados apontam para um papel adicional do hipocampo, que seria o de possibilitar a integração de elementos para a formação de uma imagem mental complexa, ou seja, pela capacidade de imaginar(http://www.nature.com/news/2007/070115/full/070115-2.html). Será que eles seriam capazes de entender a letra de "Imagina"?
Pitágoras, o Bom
Meu amigo Montaigne diz: "(...) nunca consegui sequer ver sem desprazer perseguirem e matarem um animal inocente, que está sem defesa e do qual não sofremos mal algum. E como costuma acontecer que o cervo, sentindo-se sem fôlego e sem força, não tendo mais outro remédio, atira-se e se rende a nós mesmos que o perseguimos, rogando-nos mercê com suas lágrimas, esse sempre me pareceu um espetáculo muito desagradável. Nunca apanho animal vivo ao qual não devolva a liberdade. Pitágoras comprava-os dos pescadores e dos passarinheiros para fazer o mesmo. As índoles sangüinárias com relação aos animais dão prova de uma propensão natural para a crueldade." Retomarei o assunto quando escrever sobre Jean-Martin Charcot.
15.1.07
Borges, gênio
Vale a pena ler J.L.Borges. Cada vez mais ele me surpreende com a sua genialidade. Relendo "O Duelo" , que faz parte de "O Informe de Brodie": "(...) é indiscutível, embora misterioso, que a pessoa que confere um favor supera de algum modo quem o recebe". E pensar que existem pessoas que associam Borges ao infame "Instantes"...
14.1.07
Carpeaux e " Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?"
Andy Warhol, "16 Jackies", 1964
Acabo de ler o "Estadão" de hoje. Na seção "Antologia pessoal", está a escritora gaúcha Letícia Wierzchowski, que escreveu "A Casa das Sete Mulheres". Como escritora, ainda tem de melhorar e, certamente, vai melhorar, pois é muito nova para escrever romances. O que me intriga nessa tal seção é a presença constante da pergunta "Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?". Será que essa pergunta teria sido formulada caso estivéssemos em outra época, mais remota ? Acho que não. Vivemos na era do videoclipe, das imagens profusas e alternantes, do videogame. Como escreveu o grande O.M.Carpeaux em sua coluna no mesmo "Estadão" em 19 de fevereiro de 1966 ("A época ótica"), "(...) o homem moderno é criatura essencialmente 'distraída', pelo fluxo ininterrupto das imagens da publicidade, pela acumulação de notícias heterogêneas numa página de jornal, pela mudança caleidoscópica dos aspectos e ruídos da rua; já teria perdido a capacidade de acompanhar estruturas mais complexas, ler um livro até o fim (...)". Enquanto continuarmos vivendo nesse mundo que cada vez menos privilegia a leitura, em que cada vez mais vemos jovens comprando livros pelo número de páginas (quanto menos, melhor), a próxima pergunta a ser feita é "Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse acrescido?" Bom final de domingo!
13.1.07
Esse tal de sono...
A imprensa não especializada insiste em dizer que "o normal é dormir oito horas por noite". Há algum tempo, com o surgimento da Cronobiologia, tal afirmação foi definitivamente derrubada. De maneira bastante grosseira, poderíamos dizer que a humanidade se divide em dois grandes grupos em relação ao padrão de sono: "os que dormem com as galinhas" e os "que dormem ao amanhecer". Além dessa particularidade, as horas necessárias para garantir um sono reparador também variam entre as pessoas e seguem um padrão familiar, geneticamente modulado. Assim, há pessoas que se deitam às 21h00 e se levantam às 04h00 prontas para enfrentar um árduo dia de trabalho com plena disposição. Por outro lado, há aquelas pessoas que se deitam à meia-noite e se levantam ao meio-dia completamente estafadas, como se precisassem (e precisam) de mais duas horas de sono, pelo menos. A resposta para essas diferenças parece ter sido encontrada, pelo menos em parte. Trata-se do gene "period 2" (PER2). Para quem se interessar, vale a pena visitar o link www.nature.com/news/2007/070108/full/070108-9.html. Enquanto isso, ao arrumar um (a) parceiro(a), certifique-se do padrão de sono para não cair na canção do Chico..."O nosso amor é tão bom/O horário é que nunca combina/Eu sou funcionário/Ela é dançarina/Quando pego o ponto/Ela termina".
Bandeira e o ócio
www.itsalltrue.com.br/2000/fotos/carvoeir.jpg
Sábado é o dia perfeito para o ócio. Como diz Kien, personagem de Canetti em seu "Auto-de-fé", "sem ócio não há arte". Então aproveito o dia e resolvo folhear Manuel Bandeira. Acabo por ler "Meninos Carvoeiros". E que melancolia!
(...)
- Eh, carvoero! Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoierinhos que trabalhais como se brincásseis!
- Eh, carvoero!
Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados!
"To speak or not to speak"
Sempre me chamou a atenção os diferentes graus de dificuldade dos diversos povos para aprender um novo idioma. Há alguns meses, participei de um encontro em Madri com neurocientistas de boa parte do mundo. O idioma oficial do encontro era o inglês, obviamente. Durante as aulas ministradas por franceses, pude notar a extrema dificuldade que eles possuíam em falar o inglês. Por outro lado, os falantes do Leste Europeu falavam um inglês bastante razoável, em sua maioria. Uma explicação para esse fato reside em capacidades diferentes que os homens possuem em analisar os fonemas de acordo com a língua materna. Explicando melhor: as línguas eslavas estimulam a audição em uma faixa entre 125 e 8000 Hz, contra 1000 a 2000 Hz do francês. Assim, a maior facilidade dos povos eslavos em aprender outro idioma pode estar associada a uma melhor percepção auditiva. Caso alguém se interesse, há uma excelente revisão na edição de novembro de 2006 da revista "La Recherche" (www.larecherche.fr), seção "Bac to basics: L'audition".
12.1.07
A criança e a creche
Ao chegar da casa de nossa sobrinha, minha mulher fez um comentário que despertou esse "post". Ela notou que a menina de um ano e oito meses estava falando muito melhor após os quase trinta dias de férias da creche. Durante esse período, a pequena tagarela esteve dia e noite junto de seus pais, também de férias. O estímulo mantido e incansável dos pais ou educadores é claramente decisivo no processo de aquisição da linguagem, tema que me é bastante caro. Noam Chomsky diz que a criança adquire uma língua específica com o uso de recursos limitados que lhe são apresentados pelos cuidadores. Pobre Terceiro Mundo com os cuidadores que possui...
Umberto Eco, Manguel e a Biblioteca à noite
Acabo de ler o excelente livro de Alberto Manguel, escritor argentino naturalizado canandense. Para se ter uma idéia de quem é Manguel, basta dizer que ele teve o privilégio de "emprestar" sua visão ao já cego Jorge Luis Borges. Ao acabar a leitura de "A biblioteca à noite" (Cia. das Letras, 2006), lembrei-me de um ensaio de Umberto Eco que discute a angústia da influência ("Borges e a minha angústia da influência"). Diz Eco: "Tenho algumas experiências que creio sejam comuns a todos que possuem muitíssimos livros (hoje em dia tenho cerca de quarenta mil) e que consideram uma biblioteca não apenas como um lugar para conservar os livros já lidos, mas sobretudo um armazém de livros a serem lidos um dia ou outro, quando surgir a necessidade. Ora, acontece de, a cada vez que os olhos caem sobre um livro, experimentar-se um remorso. Só que chega finalmente o dia em que, para saber algo sobre um determinado assunto, nos decidimos então a abrir um dos tantos livros nunca lidos. Começamos a ler e nos damos conta de que já o conhecíamos. O que aconteceu? Há uma explicação místico-biológica: com o passar do tempo, de tanto retirá-los, espaná-los e recolocá-los no lugar, através das pontas dos dedos a essência dos livros penetrou em nossa mente. Há a explicação do scanning casual e continuado: com o passar do tempo, pegando e reordenando os vários volumes, não é que o livro nunca tenha sido folheado; já ao tirá-lo do lugar, olham-se algumas páginas, uma hoje, uma no mês seguinte e pouco a pouco acaba-se por lê-lo em grande parte, embora de forma não-linear. Mas a verdadeira explicação é que, entre o momento em que aquele livro chegou até nós e o momento em que o abrimos, outros livros foram lidos nos quais havia algo que aquele primeiro livro dizia e, portanto, ao final aquele livro que não lemos fazia parte de nosso patrimônio mental e talvez tivesse nos influenciado profundamente". Se eu fosse você, não deixaria a leitura desse livro para amanhã.
Primeiros escritos
Caros amigos,
é com grande satisfação que inicio o meu blog. Espero que possamos compartilhar idéias e informações. A idéia do blog surgiu durante as minhas férias, quando tive tempo para vasculhar a rede e ser apresentado a esse tipo de diário eletrônico. O título é uma óbvia homenagem a Montaigne, que muito nos auxiliará nos "posts". Espero que aproveitem!