
Confesso que sou meio paranóico, desconfiado. Quando resolvo arrumar a minha biblioteca, tenho o cuidado de não colocar lado a lado escritores que jamais ocupariam o mesmo ambiente, caso isso fosse possível. Dá para imaginar Bernhard ao lado de Hemingway? Ou Céline ao lado de Primo Levi, Victor Klemperer e Imre Kertész? Ou, mais recentemente, García Márques e Vargas Llosa na mesma prateleira? Estou terminando de ler o último romance de Patrícia Melo (Jonas, o copromanta) e já sei que ela ocupará espaço entre Rubem Fonseca e Marçal Aquino (sim, o Amigo de Montaigne também já leu e ainda lê "coisas leves"). Há outra idiossincrasia. Fico, às vezes e brevemente, tentado a arrancar a página com a epígrafe nos livros de Patrícia Melo. São citações latinas, eruditas, que não combinam com o teor água-com-açúcar do restante do livro. Mas se assim fosse, levado ao extremo, todos- ou quase todos - os meus livros estariam mancos, sem várias de suas páginas (alguém já disse que "escrever é cortar"). Inteiros, completos, só mesmo Machado e Borges. Nem mesmo Rosa e Joyce - esse muito menos - sobrariam ilesos, sem mutilações. Não consigo me desvencilhar desses pensamentos intrusivos e sigo acreditando que há alguma lógica nisso tudo. Ou, como diz Patrícia Melo em sua última epígrafe, "eu creio porque é absurdo" (Tertuliano).
Marcadores: Literatura