Impotência e incontinência
Dizem que há idade mínima para se escrever um romance. Os jovens, teoricamente, "não viveram o suficiente", signifique isso o que quer que seja. Parece que somente após os 40 anos os bons romancistas afloram. Claro está que os poetas já nascem prontos, vividos, experimentados, como nos provam Rimbaud, Carpinejar e Plath, dentre muitos outros. Este final de semana, entre a tediosa leitura dos jornais e a audição de um pouco de chanson française, peguei-me pensando no oposto: há uma idade máxima, além da qual não deveria mais se escrever romances? Acredito que a motivação dessa indagação tenha sido alguma de minhas leituras recentes. Philip Roth, por exemplo. O seu último romance, "Fantasma sai de cena", faz com que terminemos a última página do livro com a seguinte impressão: nós, homens, estamos fadados ao mesmo fim nada glorioso. Impotência e incontinência. Toda a sua vida será resumida e absorvida por essas duas condições. Feliz daquele que atingir idade suficiente para ter esses problemas? Acho que, talvez, Roth tenha passado da idade de escrever romances. Aceito argumentos contrários, pois não estou totalmente convencido disso. Quem sabe não seja a hora de migrar para os ensaios, Roth? Outro que anda dando sinais de "idade-limite" é o Coetzee, mas não me alongarei. Veja por você mesmo folheando o Diário de um ano ruim. Encerro apropriando-me de uma citação de Nietzsche que encontrei no ótimo livro de Eduardo Gianetti (O livro das citações, Cia. das Letras ): "Os jovens amam o que é interessante e peculiar, não importa até onde seja verdadeiro ou falso. Espíritos mais maduros amam na verdade aquilo que nela é interessante e peculiar. Por fim, cabeças totalmente amadurecidas amam a verdade também onde ela parece ingênua e simples e é enfadonha para o homem comum, porque notaram que a verdade costuma dizer com ar de simplicidade o que tem de mais alto no espírito". Incontinência e impotência: será essa a verdade a ser dita?
Marcadores: Literatura e Filosofia
3 Comments:
Calma, caríssimo Amigo.
Há duas alternativas ao duo proposto. Há quem diga que a primeira realmente, não passaria de mais um mecanismo de defesa do nosso sábio organismo. Quase ao mesmo tempo que as duas, começa também a demência, que bloqueia tua autoconsciência da triste situação.
A segunda é parar de ler esses troços e começar a (re)ler Henry Miller.
Caro Amigo,
pode ser que esteja certo, pode ser que esteja errado mas todas as afirmações fantasmagóricas sobre a velhice sempre me irritaram e não estou falando de mal estar provocado por medo. Nada obriga que a velhice seja uma MERDA! Quando li uma entrevista com Philip Roth sobre Everyman ele falava dos males da velhice como por ex: as doenças, os tratamentos e as mortes de amigos. Desconfio, enormemente, tratar-se de maldição neurótica. Ocorreu à Roth quando via, durante as enchentes do Katrina, velhos sendo salvos de um asilo inundado e aí exclamou: A VELHICE NÃO É UMA BATALHA, MAS UM MASSACRE! Ora, isto não ocorreu somente com os velhos mas com todos que estavam em New Orleans e não me parece, pelas imagens que vi, que os não-velhos não tenham sido traumatizados.
Pura identificação etária e otária do Philipinho (??).
O que dizer da infância quando se é totalmente dependente e sem qualquer margem de manobra para usufruir uma certa liberdade? O que dizer da adolescência com todas as suas dúvidas e explosões e com todas as pressões sociais e familiares? O que dizer dos 20 aninhos com todas as incertezas profissionais e de trabalho? E dos 30 com os filhos, a família que se deve sustentar e o trabalho que segue e que você tem que se atualizar, conseguirei? E dos 40, 50 e etc., etc., com o colesterol, estará alto? Terei um enfarte? Terei um câncer? Terei trabalho e dinheiro para continuar a guerra da vida?
Tenho a impressão que se concentra em certa faixa etária (a que estamos) todos os males inerentes à existência em qualquer época da vida. Viver é muito bom (pra quem gosta) mas não é mole não, não é para amadores.
Aquelabraço!
Caro Theo, talvez seja isto: cada idade possui suas incertezas e angústias, mas o problema é que a velhice torna a iminência da morte muito vívida.
Quanto aos romances e idades, acho que mais que o Roth foi o Sábato que me despertou para este post. Em "A resistência" há uma passagem emblemática para mim, neurocientista não diletante, sobre a senescência. Veja: "Por isso podemos ver tantos velhos que quase não falam e o tempo todo parecem olhar ao longe, quando na verdade estão olhando para dentro, para o mais profundo de sua memória". Ora, para mim isso nada mais é que doença de Alzheimer!
Abraço!
Postar um comentário
<< Home