Kaváfis, o elegante
A família de minha avó paterna era de Alexandria. Cresci ouvindo histórias sobre um lugar distante, em que havia camelos que podiam ficar até 13 dias sem beber água, onde havia existido uma grande biblioteca que acabou destruída pelo fogo e também onde podia se encontrar pessoas falando um dialeto chamado ladino. Muitos viviam da arte do comércio - sim, saber vender, para eles, era arte. Era comum se ouvir nas ruelas abarrotadas de tendas pessoas falando árabe, francês, ladino, turco e grego. Minhas tias-avós ganharam algum dinheiro dando aulas particulares de francês para parte da elite paulistana que vivia no bairro de Higienópolis. Apesar de já ter viajado um bocado, nunca fui visitar Alexandria, terra de Kaváfis. Será que encontraria semelhança com a idéia que guardo na memória desde pequeno? Me decepcionaria? Manuel Bandeira e Drumond já responderam essa questão, mas não com a mesma elegância de Kaváfis.
Ítaca (1911)
Quando começares a tua viagem para Ítaca,
reza para que o caminho seja longo,
cheio de aventura e de conhecimento.
Não temas monstros como os Ciclopes ou o zangado Poseidon:
Nunca os encontrarás no teu caminho
enquanto mantiveres o teu espírito elevado,
enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo.
Nunca encontrarás os Ciclopes ou outros monstros
a não ser que os tragas contigo dentro da tua alma,
a não ser que a tua alma os crie em frente a ti.
Deseja que o caminho seja bem longo
para que haja muitas manhãs de verão em que,
com quanto prazer, com tanta alegria,
entres em portos que vês pela primeira vez;
Para que possas parar em postos de comércio fenícios
para comprar coisas finas, madrepérola, coral e âmbar,
e perfumes sensuais de todos os tipos -
tantos quantos puderes encontrar;
e para que possas visitar muitas cidades egípcias
e aprender e continuar sempre a aprender com os seus escolares.
Tem sempre Ítaca na tua mente.
Chegar lá é o teu destino.
Mas não te apresses absolutamente nada na tua viagem.
Será melhor que ela dure muitos anos para que sejas velho quando chegares à ilha,
rico com tudo o que encontraste no caminho,
sem esperares que Ítaca te traga riquezas.
Ítaca deu-te a tua bela viagem.
Sem ela não terias sequer partido.
Não tem mais nada a dar-te.
E, sábio como te terás tornado,
tão cheio de sabedoria e experiência,
já terás percebido, à chegada, o que significa uma Ítaca.
Marcadores: Literatura e Saudade da infância
3 Comments:
Amigo, estive fora do Brasil trabalhando e não tive tempo para blogar. POst de fôlego! Abraço e tô na área.]
Helena???
Pelo tom, já começaste a viagem, não?
Caro Amigo de Montaigne,
Obrigado pela oportunidade de me deparar novamente com o poema - e desta vez num momento-chave. Aproveitei para citá-lo,digo o poema, também em meu nicho nas catacumbas da rede, com a devida menção ao que me inspirou. Aliás,o seu blog é a principal influência no formato do meu. Um abraço.
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