Carpeaux, segundo Pedro Maciel
O escritor e amigo Pedro Maciel, autor do romance “A Hora dos Náufragos”, Ed. Bertrand Brasil, motivado pelo post anterior, enviou-me um excelente e "brevíssimo ensaio" de sua autoria sobre Carpeaux. Pedi autorização para a publicação neste espaço, que me foi prontamente concedida. Em suas próprias palavras " 'reprodução' já prevista por Benjamin há mais de um século...".
O historiador das idéias
Otto Maria Carpeaux, em “Ensaios Reunidos” graças à erudição, ao conhecimento de tantas literaturas, criou um jogo poético para descrever em ensaios breves a história da literatura universal. “Ensaios Reunidos” (Organização, Introdução e notas de Olavo de Carvalho), composto por “A Cinza do Purgatório” (1942), “Origens e Fins” (1942), “Respostas e Perguntas” (1953), “Retratos e Leituras” (1953), “Presenças” (1958) e “Livros na Mesa” (1960), é o primeiro volume de um intelectual universalista que tinha domínio da história das idéias e da arte da dialética. São textos críticos que falam sobre autores estrangeiros e nacionais, estudos de obras de alguns dos mais importantes nomes da literatura brasileira contemporânea.
Carpeaux, Sérgio Buarque de Holanda e Antonio Candido, formam a tríade exemplar da crítica literária brasileira. Segundo Alfredo Bosi, “Carpeaux atravessou a crítica positivista, a idealista, a psicanalítica, o new criticism, a estilística espanhola, o formalismo, o estruturalismo, a volta à crítica ideológica”. E prossegue: “Mas, educado junto aos culturalistas alemães e italianos do começo do século, ele sabia que nada se entende fora da História”.
É notável a naturalidade com que Carpeaux discorre sobre estética, filosofia, política, história. Doutor em ciências exatas, letras e filosofia, o autor da História da Literatura ocidental, era uma espécie de ensaísta literário que escrevia com clareza, numa linguagem corrente, de fácil entendimento para o leigo.
Criador de um estilo, segundo o crítico Álvaro Lins, “vivo, preciso e ardente. Às vezes enérgico e áspero. Nestas ocasiões, sobretudo, este estilo está confessando um temperamento de inconformista, de planfetário, de debater. O temperamento de um homem que, monologando ou dialogando, está sempre numa atitude de luta: ou a luta interior, consigo mesmo, ou a luta exterior, com os seus adversários”.
E o crítico teve muitos adversários literários e políticos. Nascido na Áustria, viveu uma desventura pessoal na época da Segunda Guerra. Carpeaux foge da Alemanha nazista para a Bélgica e, em 1939, muda-se para o Brasil. Em 1940 começa a escrever no jornal Correio da Manhã. Seus apontamentos literários e políticos geraram acusações por parte da esquerda e da direita.
Carpeaux desafiava as convenções históricas e literárias. Pode ter errado em algumas análises, como por exemplo, ao criticar Thomas Mann, “um pensador confuso, o maior dos escritores de segunda ordem (...) um grande estilista, na significação menos boa da palavra; ele estiliza tudo e ao seu estilo também. Estilista de primeira ordem, com as virtudes estilísticas da época burguesa: irônico, espirituoso, sentimental, psicológico, analítico. Um Nietzsche disfarçado de Flaubert”.
Ou quando critica Goethe, que “não compreendeu o maior acontecimento literário do seu tempo, o romantismo. Depois de ter experimentado, em vão cativar os seus contemporâneos com a fórmula classicista, ele trai a arte, para abraçar as ciências naturais e enriquecê-las com as suas descobertas duvidosas e as suas fantasias arbitrárias”.
Acertou em muitas leituras, principalmente quando discorre sobre a poesia brasileira. Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Augusto dos Anjos e Drummond, entre outros, foram contemplados com ensaios memoráveis; textos de um crítico que tinha cabeça de poeta.
Segundo o crítico-poeta, “das paisagens do espírito, a poesia é a mais misteriosa: porque é tão familiar e, ao mesmo tempo, muito remota. No território lírico sentimo-nos como em casa, uma paisagem povoada por nossas próprias emoções. Mas, embora percorrendo-a no ritmo das pancadas do coração, é permanente o perigo de perdermos o caminho...”
A leitura de Ensaios Reunidos oferece-nos muitas surpresas em relação a autores clássicos, como Homero, Shakespeare, James Joyce ou Albert Camus. Ítalo Calvino diz que “o clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro...” Muitos ensaios de Carpeaux revelaram pela primeira vez a importância de uma obra ou de um autor para a literatura contemporânea.
Dedicar algum tempo à leitura dos ensaios de Carpeaux é percorrer o infinito mapa da história da humanidade. Os ensaios, artigos e estudos nos fazem entender o tempo imemorial, apesar de estarmos condenados à atualidade. Carpeaux, um dos últimos humanistas, é um escritor de todos os tempos; marca o início do apogeu do ensaio literário brasileiro, que teve um começo tão exemplar.
O historiador das idéias
Otto Maria Carpeaux, em “Ensaios Reunidos” graças à erudição, ao conhecimento de tantas literaturas, criou um jogo poético para descrever em ensaios breves a história da literatura universal. “Ensaios Reunidos” (Organização, Introdução e notas de Olavo de Carvalho), composto por “A Cinza do Purgatório” (1942), “Origens e Fins” (1942), “Respostas e Perguntas” (1953), “Retratos e Leituras” (1953), “Presenças” (1958) e “Livros na Mesa” (1960), é o primeiro volume de um intelectual universalista que tinha domínio da história das idéias e da arte da dialética. São textos críticos que falam sobre autores estrangeiros e nacionais, estudos de obras de alguns dos mais importantes nomes da literatura brasileira contemporânea.
Carpeaux, Sérgio Buarque de Holanda e Antonio Candido, formam a tríade exemplar da crítica literária brasileira. Segundo Alfredo Bosi, “Carpeaux atravessou a crítica positivista, a idealista, a psicanalítica, o new criticism, a estilística espanhola, o formalismo, o estruturalismo, a volta à crítica ideológica”. E prossegue: “Mas, educado junto aos culturalistas alemães e italianos do começo do século, ele sabia que nada se entende fora da História”.
É notável a naturalidade com que Carpeaux discorre sobre estética, filosofia, política, história. Doutor em ciências exatas, letras e filosofia, o autor da História da Literatura ocidental, era uma espécie de ensaísta literário que escrevia com clareza, numa linguagem corrente, de fácil entendimento para o leigo.
Criador de um estilo, segundo o crítico Álvaro Lins, “vivo, preciso e ardente. Às vezes enérgico e áspero. Nestas ocasiões, sobretudo, este estilo está confessando um temperamento de inconformista, de planfetário, de debater. O temperamento de um homem que, monologando ou dialogando, está sempre numa atitude de luta: ou a luta interior, consigo mesmo, ou a luta exterior, com os seus adversários”.
E o crítico teve muitos adversários literários e políticos. Nascido na Áustria, viveu uma desventura pessoal na época da Segunda Guerra. Carpeaux foge da Alemanha nazista para a Bélgica e, em 1939, muda-se para o Brasil. Em 1940 começa a escrever no jornal Correio da Manhã. Seus apontamentos literários e políticos geraram acusações por parte da esquerda e da direita.
Carpeaux desafiava as convenções históricas e literárias. Pode ter errado em algumas análises, como por exemplo, ao criticar Thomas Mann, “um pensador confuso, o maior dos escritores de segunda ordem (...) um grande estilista, na significação menos boa da palavra; ele estiliza tudo e ao seu estilo também. Estilista de primeira ordem, com as virtudes estilísticas da época burguesa: irônico, espirituoso, sentimental, psicológico, analítico. Um Nietzsche disfarçado de Flaubert”.
Ou quando critica Goethe, que “não compreendeu o maior acontecimento literário do seu tempo, o romantismo. Depois de ter experimentado, em vão cativar os seus contemporâneos com a fórmula classicista, ele trai a arte, para abraçar as ciências naturais e enriquecê-las com as suas descobertas duvidosas e as suas fantasias arbitrárias”.
Acertou em muitas leituras, principalmente quando discorre sobre a poesia brasileira. Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Augusto dos Anjos e Drummond, entre outros, foram contemplados com ensaios memoráveis; textos de um crítico que tinha cabeça de poeta.
Segundo o crítico-poeta, “das paisagens do espírito, a poesia é a mais misteriosa: porque é tão familiar e, ao mesmo tempo, muito remota. No território lírico sentimo-nos como em casa, uma paisagem povoada por nossas próprias emoções. Mas, embora percorrendo-a no ritmo das pancadas do coração, é permanente o perigo de perdermos o caminho...”
A leitura de Ensaios Reunidos oferece-nos muitas surpresas em relação a autores clássicos, como Homero, Shakespeare, James Joyce ou Albert Camus. Ítalo Calvino diz que “o clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro...” Muitos ensaios de Carpeaux revelaram pela primeira vez a importância de uma obra ou de um autor para a literatura contemporânea.
Dedicar algum tempo à leitura dos ensaios de Carpeaux é percorrer o infinito mapa da história da humanidade. Os ensaios, artigos e estudos nos fazem entender o tempo imemorial, apesar de estarmos condenados à atualidade. Carpeaux, um dos últimos humanistas, é um escritor de todos os tempos; marca o início do apogeu do ensaio literário brasileiro, que teve um começo tão exemplar.
3 Comments:
O CONY ESTÁ ÓTIMO NESTA FOTO. LINDO!!!
HELENA
Amigo, estávamos falando de Saramago. Ele deu uma boa entrevista ao Guardian: http://www.guardian.co.uk/books/2008/nov/22/jose-saramago-blindness-nobel
Quanto a Carpeaux, acho mesmo que ele merecia uma estátua em frente na entrada da ABl. Esse trecho o resume bem:
"É notável a naturalidade com que Carpeaux discorre sobre estética, filosofia, política, história. Doutor em ciências exatas, letras e filosofia, o autor da História da Literatura ocidental, era uma espécie de ensaísta literário que escrevia com clareza, numa linguagem corrente, de fácil entendimento para o leigo."
Caro Jonas, ainda não assisti ao filme, mas estou curioso pelo seu sucesso aqui e a recepção "tépida" que teve nos EUA ("Its success in South America, including Brazil, contrasts with a tepid response in the US"). A entrevista corrobora a postura de "fidelidade a si mesmo" de Saramago.
Sinto que não temos mais "Carpeauxs". Paulo Francis tentou, mas não sei se obteve êxito comparável.
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