Cabralinos e borgianos
Caro M.C.*,
após a nossa agradável conversa, fiquei pensando no que você me disse. João Cabral precisava dos outros para se realizar como poeta. Era a partir da opinião alheia que ele nutria o seu ego e encontrava o combustível necessário para continuar escrevendo. Isso ficou bastante nítido após o relato do seu encontro, à beira da piscina, com o diplomata pernambucano à epóca em que ele servia em Dacar. Entre várias doses de uísque e incontáveis comprimidos de aspirina (sim, aspirinas engolidas com scotch 12 anos, uma dessas excentricidades de poeta!), João Cabral tentava se inteirar de como os seus pares brasileiros enxergavam a sua obra, se ele continuava fazendo parte da elite de escritores nacionais. Muito oportuna a sua consideração sobre a vaidade do recifense e o peso insuportável que a cegueira representou ao final de sua vida. Tornou-se cabisbaixo, amargo, sem gosto por viver. A comparação com J.L. Borges foi a antítese perfeita, pois cego e feliz, o argentino continuava a se deleitar com a literatura, com os versos de Dante, Coleridge e Wordsworth e com o absurdo dos mitos nórdicos, o Beowulf. Será que existe, M.C., uma divisão entre escritores que escrevem para si e escritores que escrevem para os outros?
Com estima, Amigo de Montaigne.
*M.C.: grande poeta brasileiro e amigo.
3 Comments:
Creio que as duas espécies convivem.
Em que você acredita? Sim ou não?
Acredito que sim. Essa divisão é bastante marcada em alguns escritores. Para mim, Machado de Assis era "cabralino", talvez fruto de sua personalidade gliscróide, viscosa, "epiléptica". E você? Qual a sua opinião?
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