Fisiognomoidiotice
(images.mirror.co.uk/upl/m4/apr2009/1/0/susan-boyle)
Se a cólera que espuma, a dor que mora
O fenômeno Susan Boyle me trouxe à mente um antigo ensaio de Umberto Eco. Não me lembro o título, mas era algo como "Fisiognomia", publicado em português, em forma de coletânea, no livro "Sobre os espelhos". Com o seu habitual talento, Eco destrói, de Lavater a Lombroso, toda e qualquer pretensa "ciência" que possa existir no julgamento baseado na aparência física - fisiognomonia. Cita exemplos de personagens literários e as muitas combinações possíveis: bonito e bom; bonito e mau; feio e mau e feio e bom. Evoca Hegel, contemporâneo de Lavater, e a crítica irônica que o idealista fez à febre da "nova ciência chamada fisiognomonia". Já escrevi neste blog a opinião do falecido Stephen Jay Gould sobre a natureza do Frankenstein, que se torna mau porque é enxergado pelos outros como tal em virtude de sua feiúra. Poderíamos, de forma similar, acrescentar aqui o mais famoso hércules-quasímodo: o Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo. A poesia de Raimundo Correia conseguiu condensar o que penso a respeito.
Mal secreto
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N'alma e destrói cada ilusão que nasce;
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;
Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente talvez que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!
Quanta gente que ri, talvez consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!
Quanta gente que ri, talvez, existe
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
7 Comments:
Sensacional...
Caro Karl,
é um belo poema.
Para a minha hermenêutica, pelo menos...
Abs!
Me referia à estória de Susan Boyle, caro AM.
São belos versos e bem contextualizados. Gostei de ver um poema "condensando" um pensamento teu. Quase que escreveste "explicar"... Mas poesias não explicam nada, não é mesmo?
amigo de montaigne, toda essa história é formidável.
Profundo...
Muito próprio o poema!! Acredito que ilustra não só o caso de Susan Boyle, mas de 90% dos bípedes ditos civilizados que circulam pelo nosso lindo e midiático planeta!!
Belo poema. E gostei de voce ter citado Stephen Gould. Li todos os livros deste cara, que além de grande paleontobiólogo era um humanista fora de série.
Abs
L.K.
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